domingo, 10 de dezembro de 2017

Respeita meu casulo

Hoje eu não quero sair. Hoje eu não quero abrir minhas asas.
Não quero mais agredir minha mente em nome de ostentar uma imagem — a imagem do cidadão sensato e bem resolvido intelectualmente, aquele diz o que as pessoas querem ouvir. Não quero mais ter de lidar com um espírito adoecido pela desordem, pelo caos, pelo excesso de hostilidade e selvageria que se tornaram o paradigma dos nossos tempos.
Hoje eu não tenho opinião sobre nada — e também não quero ouvir o que os outros têm a dizer. Não quero rever conceitos, tampouco me desconstruir. Não destile suas regras sobre mim, respeite meu espaço. Não seja um invasor de mentes. Não tente me escravizar, colonizar minha alma. Não quero ser cobaia de seus discursos enviesados.
Não quero saber de Marx, Weber, Foucault. Não quero saber de questões sociais ou do panorama político atual. Minha cabeça se encontra temporariamente fechada para reformas.
Não me empurre goela abaixo sua cartilha ideológica, não me interessam suas pseudo-verdades — elas são irrelevantes fora de sua bolha social.
Hoje eu não quero aprender, não quero melhorar como pessoa. Não quero, pois, exercer o esforço necessário para sair da zona de conforto. Antes disso, preciso me reencontrar, preciso estudar as minúcias de minha essência, a anatomia de meu espírito, de forma a entender novamente quem sou. Preciso observar e analisar minha posição perante o mundo.
Hoje a única filosofia possível é a de Alberto Caeiro: aquela que prega que não se deve pensar em nada.
Pensar nem sempre é edificante, em alguns momentos é deletério. Em dado momento enobrece, em outro te tira do sério.
A omissão é meu remédio: tirar férias da existência por tempo indefinido. A fuga do existir pode ser a cura para a minha doença.
Por isso, rogo: Respeita meu casulo, respeita meu vácuo mental. É meu mecanismo de defesa em meio ao caos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Educação sentimental

Educação sentimental

Jamais me ensinaram a ser forte
Tive de aprender na marra a solidificar meu espírito
Jamais me educaram sentimentalmente
Jamais aprendi sobre a efemeridade das relações humanas
A lidar com a dor da ausência
A não devanear, a não me perder em idealizações
A ser mais pássaro e menos parasita
A colocar o "eu" acima do "nós"
A me apegar ao factual
A não aderir a utopias
A vida que me ensinaram soava como um conto de fadas moderno
Calcada em trabalho, lar, família, filhos
Calcada em eu te amo, em felizes para sempre, em prometo te amar e respeitar até a hora da nossa morte, amém
Calcada na fantasia, naquela perfeição estética arraigada no espírito coletivo
Foi esse o mundo que pintaram no quadro dos meus sonhos

Eis a base da minha desolação no momento em que você se foi
Já que tudo desmorona a tal ponto que o ceticismo envolve a alma
E se torna impossível vislumbrar um recomeço
Eximir-me da culpa não serve de consolo
A casa que me disseram para construir era de palha, frágil e bamba
Mas a casa que eu deveria ter construído era de tijolos, firme e resistente

Não aprendi na escola como me libertar
Aprendi apenas a procurar o outro
E na procura do outro encontrei apenas o reflexo do meu pensamento: vazio e inerte
Ninguém jamais me orientou a adquirir plenitude de espírito
A educação sentimental que eu recebi foi nula
Ancorada na farsa e na ficção
Gerou desastrosos desapontamentos
Enturvou minha visão
Obscureceu minha verdade
Não passou de uma falsa janela
Que supostamente apresentava o mundo – quando, na realidade, o encobria
Com um disfarce que, longe de me mostrar a felicidade, apenas a escondia.
(27/11/2017)

domingo, 13 de agosto de 2017

A poesia não existe nos fatos

Desculpe, Oswald, mas a poesia não existe nos fatos
Ela está presa às singularidades do sujeito
Não se faz poesia com o concreto
O poema é composto de um emaranhado de nadas
Pois nada do que existe nele é factível
O poeta é um artesão de falsas realidades
Um artífice do ilusório
Um mentiroso compulsivo

Palavras são instrumentos onipotentes
Capazes de pavimentar longas estradas
Exterminar todas as mazelas imagináveis
Alterar as leis da física
Mudar a realidade

A felicidade está ali:
Naquele mundo onírico
Está na existência de possibilidades
Está no sonho e na esperança
Está nas incertezas que dão origem às nossas utopias
Inventar, criar, fabular: tudo o que nos move
É trabalhar com o imaginário

Somos um conglomerado de subjetividades
Incapazes de manter os pés no chão
Mas ao mesmo tempo crentes de que isso seja possível

É por isso que a poesia é necessária:
Por não trabalhar com fatos
Por trazer à tona essa ilustre contradição:
Sendo a maior demonstração existente
De que nos guiamos pelo inexistente

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Reinventar-se é uma característica dos fortes

Jamais cultive mesmices
O mundo é cruel com tudo o que é estável
Flexibilidade é conhecida como a máxima virtude
Heráclito tinha razão:
Tudo tem base no devir
Mais inevitável que a morte,
É a impossibilidade de parar o fluxo constante das coisas

Jamais pare no tempo
O anacronismo é deletério
A inércia é fatal
O comodismo é destrutivo
E o marasmo é um grande mal
Aliado do desinteresse, da apatia
Princípio causador de toda agonia
Deixaria de ser humano se por acaso decidisse
Que a vida estagnada vale mais do que a maluquice
Da eterna busca pelo novo

Pois há, na vida, uma regra primária:
Tudo é perecível, tudo é momentâneo
E deves acompanhar esse movimento
Se quiseres, um dia, viver sem tormento

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A matéria prima do meu pensamento é – confusão
Uma miríade de imagens desconexas – profusão
Minha forma de pensar é marcada por inexatidão
Mixórdia, desordem, desarrumação

Sou constituído essencialmente de caos
E desse pandemônio interno
Como poderei eu achar – salvação?